3 de nov. de 2017

AIKIDO: DESPORTO EDUCACIONAL

Ao receber mensagem com pedido de participação numa pesquisa (do Laboratório de Pedagogia do Esporte da Universidade Federal de Santa Catarina) sobre "conhecimento e competência de treinadores esportivos no Brasil", cujas indagações referiam-se a esportes de competição, enviei a resposta que se segue:

Prezada senhora,
Bom dia!
Agradeço a gentileza de ter-me dirigido esta mensagem.
Li os conteúdos dos formulários que anexou e, por óbvio, constatei que se trata de pesquisa voltada para treinadores esportivos relacionados a “desportos de rendimento” e (ou) “de formação”, em cuja categoria não se encontram os “sensei (s)” da Federação Mineira de Aikido (estes voltados para um “desporto educacional” e “de participação”, com ênfase na “cooperação”.
Não podendo, consequentemente, ser-lhe útil quanto à pesquisa que elabora, mas no intuito de cooperar de alguma forma com o seu trabalho, seguem algumas informações sobre o que fazemos.

Através do Aikido, procuramos substituir “habilidades de rendimento” por “habilidades de relacionamento”.
          Assim como nos esportes em geral “o importante é competir”, para o Aikido, “o importante é cooperar”.
       A sociedade contemporânea tem dado excessiva importância à competição. Destarte, as crianças são ensinadas a vencer jogos, em vez de serem ensinadas a gostar dos esportes.
A maior parte dos programas educacionais enfatizam esportes de competição, a busca de medalhas e _ corolário natural _ a derrotar o outro. No entanto, esperam-se (contraditoriamente) resultados em forma de fortalecimento no reconhecimento da alteridade, do crescimento cooperativo, e a busca do bem comum com comportamentos de aproximação e afetividade.
       No Aikido, o praticante treina com o parceiro, e não contra um adversário. Prepara-se para a superação de desafios da vida real, e nunca para derrotar alguém. É, enfim, uma arte marcial na qual o esforço cooperativo é necessário para se atingir um objetivo social: desenvolver seres humanos participativos.
        Os 4 princípios apresentados por Jacques Delors (contidos no Relatório para a UNESCO da “Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI”, em 1996) são:
1)  Aprender a conhecer,
2)  Aprender a fazer,
3)  Aprender a viver juntos, e
4)  Aprender a ser.
        Desse modo, a prática pedagógica (a par do acompanhamento psicológico e das atividades de dinâmica de grupo) que o Aikido proporciona baseia-se em procedimentos de cooperação, (com) vivência, (co) existência e (com) unidade.
         A aplicação das técnicas de Aikido se faz em revezamento de papéis entre os parceiros (“Tori” _ aquele que executa _ e “Uke” _ aquele que recebe a técnica _).
        Aquele que “sabe” mais auxilia o parceiro iniciante (jamais se colocando contra o mesmo). A conquista de uma “faixa” aumenta a responsabilidade com a proteção do outro.
Desenvolvimento motor
        A mudança na capacidade motora de um indivíduo é progressiva e desencadeada pela interação do mesmo com seu ambiente e com a tarefa na qual ele se envolva. A aprendizagem motora envolve processos neurais específicos e é possível em consequência do “amadurecimento” do sistema nervoso central.
        Desde o nascimento (mas, principalmente após o primeiro ano de vida), o sistema nervoso possibilita o aprendizado gradativo e progressivo de diversas habilidades, e o ser humano torna-se capaz de apresentar comportamentos correspondentes à área evoluída, uma vez que esta seja estimulada. Segue-se que tais comportamentos não poderiam ser externados até que seu mecanismo neural tenha se desenvolvido.
         Entre os 7 e os 10 anos, as crianças estão aptas para efetuar uma transição das habilidades motoras fundamentais para habilidades refinadas, nas quais se incluem habilidades atléticas.
         No entanto, para que estas crianças obtenham tal desenvolvimento é necessário que seja dada a elas a oportunidade da prática motora.
         É necessário observar que a maioria dos esportes privilegia apenas um dos hemisférios corporais (conforme seja o praticante destro, ou canhoto). Tal fato induz a criança a utilizar-se mais de um dos lados de seu corpo, em vez de se beneficiar por inteiro.
         Neste aspecto, pode contribuir beneficamente o Aikido (que exige movimentos semelhantes com os dois lados do corpo) e, de modo especial, o professor de Aikido, o qual, sem perder de vista o necessário aspecto lúdico de interesse (da faixa etária até os 11 anos, inclusive), saberá incorporar exercícios de coordenação motora, de flexibilidade, e de agilidade específicos que beneficiam o corpo por inteiro.

Desenvolvimento cognitivo
        De modo especial, em face da complexidade que compõe o conceito de cognição; mas, objetivamente, percebendo serem seus insumos básicos a “aprendizagem” (aquisição de novas informações ou novos conhecimentos) e a “memória” (a retenção da informação aprendida) dá-se ênfase aos aspectos de:
1)    interação social e a busca da cidadania (através do acompanhamento psicológico, das atividades de dinâmica de grupo, e das atividades práticas no Dojo);
2)     absorção das técnicas da arte marcial e da nomenclatura destas (nas atividades no Dojo);
3)    aprendizado das disciplinas escolares (do ponto de vista dos incentivos para obtenção de “ótimos resultados” como um caminho natural para a mobilidade social e o alcance de objetivos pessoais).

Desenvolvimento afetivo
        O desenvolvimento humano como um todo está relacionado ao contexto sociocultural em que se insere. Portanto, seria uma ingenuidade considerá-lo um processo previsível e universal, simples e uniformemente alcançável por todos.
       Os estágios das primeira e segunda infâncias (respectivamente, do nascimento aos 3 anos; e dos 3 aos 6 anos) já terão passado para as crianças _ somente a partir de 8 anos _ que são aceitas nos Dojô (s) da Federação.

Desenvolvimento social
       Geralmente, as crianças agressivas são menos populares do que as crianças socializadas.
      As amizades geram mais interações positivas do que o simples contato com outros atores sociais.
      A “criação” pode afetar a competência social das crianças com os pares. Assim, geralmente, os irmãos mais velhos dão início às atividades, e os mais jovens tendem a imitá-los. Os irmãos tendem a resolver disputas com base em princípios morais colocados por eles próprios (independentemente daqueles seguidos pelos genitores).
      Nesta Federação, deve-se partir do princípio segundo o qual, para se obter uma mudança é necessário primeiro adquirir uma capacidade.
      Portanto, são enfatizadas as necessidades de:
1)    Conhecer: Conhecimento é um prêmio _ talvez o único _ que só é dado a quem o merece. Segue-se que autoconhecimento e autodesenvolvimento são necessários para “merecer” participar do (s) grupo (s). Portanto, os estudos são os melhores instrumentos ao seu dispor;
2)    Saber fazer: a aplicação nos treinamentos possibilita “saber fazer” o que o grupo também faz. Com referência específica ao Aikido, essa aplicação enseja (quando os praticantes já se encontram em condições) oportunidades de apresentação pública com demonstrações, durante eventos programados pela Federação;
3)    Viver juntos: a execução das técnicas respeitando os princípios de cortesia e etiqueta próprios da arte marcial permite sentir que está preparado (a) para construção de alguma coisa com “o outro”, consequentemente que aprendeu para poderem “viver juntos”;
4) Ser: Reflexão e identificação com os princípios filosóficos básicos do Aikido (literalmente “o caminho da harmonia”), segundo os quais as relações entre os seres humanos devem ser cordiais, e toda agressão parte de uma pessoa desequilibrada; portanto, daquela pessoa que não conhece o caminho.
         Ao ensejo, desejo-lhe sucesso na pesquisa que conduz.

Atenciosamente,

Alcino Lagares Côrtes Costa, 5.º Dan
Presidente da Federação Mineira de Aikido

Fonte: https://sites.google.com/site/federacaomineiradeaikido/
artigos-para-reflexao/autoria-do-sensei-lagares/aikido-desporto-educacional

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